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Vestígios de presença: Confluências orgânicas entre corpo e natureza.

Foto: Giovanna Bretas
Foto: Giovanna Bretas

 

Este estudo surgiu a partir  de um processo experimental para a minha pesquisa fotográfica no Núcleo de Arte e Novos Organismos (NANO), ele foi pensado ao me submeter em um contato pleno com as forças criativas que me perpetuavam ao passar longos momentos imersa na natureza durante o verão em São Pedro da Serra, no município de Nova Friburgo. Dito isso, percebi o quanto esse contato me perpetuou durante meu processo criativo, de maneira que estar presente neste ambiente me transformava através dos sentidos experienciados neste local. Naquele momento me vi diante de uma questão sublime no âmbito do fazer artístico, ao experimentar texturas e nuances visuais,  me deparei com uma vastidão de natureza e paisagem que me engolia.

A partir disso, comecei a registrar os momentos de encantamento estabelecidos comigo através dessa força. Como o objetivo inicial da minha pesquisa foi a exploração imagética de toda essa natureza que me consumia,  me coloquei à disposição de registrar esse espaço e retratá-lo como um ambiente imersivo na fotografia, tentando representar esse mundo imaginário que eu observo através do meu olhar como artista visual. 

 

Sem título. Foto: Giovanna Bretas
Transitoriedade da matéria, 2025. Foto: Giovanna Bretas

 

 As fotografias foram realizadas durante uma caminhada para o pico da sibéria, uma montanha isolada localizada em São Pedro da Serra, município de Nova Friburgo no interior do estado do Rio de Janeiro. Ao chegar lá posicionei minha câmera em lugares estratégicos, liguei o temporizador e comecei a performar com o intuito de propor uma investigação poética e sensível sobre a manifestação transitória do corpo no espaço natural, o meu foco era captar essa efemeridade e integrar os conhecimentos aprendidos a partir da leitura do livro “ A filosofia da Caixa Preta” do filósofo Vilém Flusser, na qual ele aborda a importância da experimentação fotográfica a partir do esgotamento do aparelho. Partindo desse princípio, ao produzir essas fotos realizei algumas experimentações visuais, tais como colocar objetos próximos a lente, abrir o obturador da câmera e fazer uma sequência de imagens com o intuito de sobrepor elas para transmitir uma sensação de continuidade. 

  O fotógrafo nelas navega, regiões nunca dantes navegadas, para produzir imagens jamais vistas. imagens “informativas”. O fotógrafo caça, a fim de descobrir visões até então jamais percebidas. E quer descobri- las no interior do aparelho. (FLUSSER, 1985, p. 19)

Foto: Giovanna Bretas

 

 Assim, busquei retratar meu corpo nesses ambientes para representar uma confluência da matéria com o espaço representados a partir da concepção de tempo e memória abordados por Henri Bergson no livro Matéria e Memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o  espírito, que também é uma referência para essa pesquisa. 

  Portanto, a pesquisa Confluências orgânicas: Interseccionalidade entre corpo, natureza e suas aparições se baseia na existência de fluxos vitais e sensíveis que se encontram através de caminhos conjuntos e se fundem através da experimentação visual e fotográfica do meu corpo na natureza, criando imagens relacionadas a noção de memória e temporalidade. Aqui, o corpo não é uma entidade isolada, mas sim um organismo permeável que se inscreve na paisagem e por ela é moldado. Assim, os Vestígios nas imagens remetem às marcas temporárias deixadas pelo corpo no tempo e no ambiente, rastros que evocam a memória, a presença e o desaparecimento. Pois a “presença” sugere o instante vivido, a duração sensível do agora.

 Eis as imagens exteriores, meu corpo, e finalmente as modificações causadas por meu corpo às imagens que o cercam. Percebo bem de que maneira as imagens exteriores influem sobre a imagem que chamo meu corpo: elas lhes transmitem movimento. E vejo também de que maneira este corpo influi sobre as imagens exteriores: ele lhes restitui movimento. Meu corpo é portanto, no conjunto do mundo material, uma imagem que atua como as outras imagens, recebendo e devolvendo movimento, com a única diferença, talvez, de que meu corpo parece escolher, em uma certa medida, a maneira de devolver o que recebe. (BERGSON, 1999, p. 14)

Sem título, 2025. Foto: Giovanna Bretas.

 

Neste ensaio, o orgânico atua como um sistema complexo e estrutural, uma matéria viva que pulsa diante das visualidades existentes. A interação desses tópicos é representada através da intersecção destes, uma  interação e secção das confluências orgânicas permanentes na natureza. Assim, é um conceito construído paradoxalmente a partir da hibridação de caminhos distintos que se atravessam pela fusão de matéria e espírito, resultando em imagens expressas pelo natural e subjetivo. O ambiente naturalístico se envolve nesse processo como parte do corpo, logo a aparição dessa matéria no ambiente não se apresenta como algo distinto mas sim imerso a esse conceito e mundo imaginário, como se fosse a representação de um sonho.

Ou seja, uma imagem do real mas que foi modificada pela memória subjetiva do meu corpo, sendo uma alteração da visualidade material, o tempo vivido é também um fluxo contínuo transformado pela memória onde o corpo já não distingue mais o passado e o presente pois sente-se imerso nessa natureza. Dessa maneira, utilizo a técnica de longa- exposição na fotografia, para conseguir congelar esse instante do tempo revelando um  fluxo de durabilidade, testando assim os limites impostos pelo aparelho fotográfico, tal como aborda Flusser no livro “A Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia”: 

 A cada fotografia realizada, diminui o número de potencialidades, aumentando o número de realizações: o programa vai se esgotando e o universo fotográfico vai se realizando. O fotógrafo age em prol do esgotamento do programa e em prol da realização do universo fotográfico. Já que o programa é muito “rico”, o fotógrafo se esforça por descobrir potencialidades ignoradas. O fotógrafo manipula o aparelho, o apalpa, olha para dentro e através dele, afim de descobrir sempre novas potencialidades.

(FLUSSER, 1985, p.15)            

 

Foto: Giovanna Bretas.
Sem título. Foto: Giovanna Bretas.

  

Através desse viés, o corpo na imagem torna-se símbolo da multiplicidade de vivências efêmeras que se entrelaçam em uma única experiência existencial. A fotografia, nesse contexto, atua não como um registro fixo, mas como vestígio sensorial da impermanência — o gesto que desaparece, o movimento que permanece apenas na memória. Assim, busco evidenciar o corpo como passagem onde o tempo não é cronológico mas vivido e sentido através das sensações. Nesse sentido, reflito sobre a concepção temporal defendida por Bergson, na qual o tempo e o movimento modificam as visualidades  que constituem a realidade, ou seja, o ambiente temporal modifica a representação do corpo nas imagens.

   Dessa maneira, ao registrar uma fotografia sabemos que também estamos registrando uma memória de um passado que já foi presente, evidenciando que o tecido da realidade humana é temporal. Logo, ao acessarmos algo tão subjetivo como a memória, o ambiente se confunde com o corpo, e os sentimentos se sobressaem nas imagens, tornando-se a força motora desse ensaio fotográfico de experimentação corporal.

 

Foto: Giovanna Bretas.
Foto: Giovanna Bretas.
Sobreposição de poesia e imagem, 2025. Foto: Giovanna Bretas.

Referências bibliográficas

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Annablume, 2011.

BERGSON, Henry. Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo, 1999.